18.6.17

Papelão

A mulher era lésbica - via-se à légua  - e feia como aquelas máquinas de alcatroar ruas do antigamente - isso via-se de perto - mas nenhuma das duas condições explica ou justifica o que ela fez.

Atribuo mais a causa a uma fraca imagem de si própria, a um desejo de vingança de um heterocoiso patriarcal ou a um desconforto com o resultado da rifa.

Tenho pena por ela e espero sinceramente que a vida não lhe dê mais momentos de amargura como o que eu lhe proporcionei: deixei uma folha de cartão de para aí quinze por vinte e cinco centímetros - dobrada em quatro, o cartão era fraquinho - em cima da cadeira do café para que a empregada a deitasse fora.

Veio a correr atrás de mim, apanhou-me porque eu parara numa loja de chineses, fez um grande sorriso e fisse-me "Esqueceu-se disto na cadeira".

Recebi o agora quadrado tosco de talvez oito centímetros de aresta - mais as dobras verticais, claro, não passara aquilo a ferro - e ainda tive tempo de a ouvir dizer "Ponha num papelão".

Dez minutos depois voltou a passar por mim - penso que era uma cliente do café e não uma empregada ou a proprietária -; vinha acompanhada por outra senhora, globalmente igual a ela. Mas não me disse nada. Desviou o olhar, até, quando a mirei para lhe retribuir o sorriso de pouco antes.

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